Quero Ser Músico Entrevista: Paulo Serau

teclado

Quero Ser Músico Entrevista: Paulo Serau

Arranjo! Produção! O trabalho de um músico que tem desenvolvido um trabalho diferenciado como arranjador e produtor, resgatando e caminhando ao mesmo tempo. A série Quero ser Músico Entrevista Paulo Serau.

Violonista de origem, mas que também aprecia e executa outras cordas, Serau é um cara incrível, e vale conhecer o trabalho e experiência para o desenvolvimento da carreira do músico.

Hoje faz parte do corpo docente do curso técnico em PROCESSOS FONOGRÁFICOS – PRODUÇÃO MUSICAL, do Souza Lima – curso que eu, João Marcondes, criei, e coordeno.

ENTREVISTA

Nome: Paulo Serau

Cidade Natal: São Paulo, SP

Ano de Nascimento: 1982

Instrumento: Violão, cavaco, viola caipira, cavaco e violão tenor

Formação Acadêmica: Pesquisador e membro do grupo de estudos reconhecido pela CNPq: A Semana de 22: seus fomentadores, patrocinadores e seguidores – os artistas modernos, desde 2007. Pós-graduado em História da Arte (LATO SENSU), pela Universidade São Judas Tadeu – São Paulo – SP, em 2007. Graduado em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, pela Universidade São Judas Tadeu – São Paulo – SP, em 2005.

Formação Livre: Músico e arranjador autodidata. Nas áreas de arranjo e orquestração recebi orientação posterior do maestro Roberto Sion.

1) Em que ano iniciou sua atuação como músico profissional? E especialmente como instrumentista? Como arranjador?

Comecei a tocar profissionalmente aos 17 anos. Eu era menino, jogava bola na rua e pegava onda, mas me dedicava ao violão. Meu avô me ensinou a tocar de uma forma muito peculiar, eu era ligado nele. Com o tempo fui experimentando outros instrumentos e passei pelo básico da Música Popular Brasileira – Samba, Choro, Forró e Bossa Nova, também toquei um pouco de Rock. E desde o começo eu “mexia” nas músicas, mudava andamento e cadência, inventava uma introdução, fazia um contraponto intuitivo, etc. Queria ouvir um som que estava dentro da minha cabeça. Com o tempo aprendi que esse ofício tinha nome: Arranjador.

Meu primeiro trabalho profissional como arranjador foi em 2011, a convite da Choro Music, para um songbook de Choro para Big Band. No mesmo ano veio uma encomenda da Secretaria Municipal de Cultura para escrever um carnaval nos moldes da Era de Ouro do Rádio, dessa vez para big band e cantores convidados e, na sequência, fiz arranjos e dirigi uma orquestra experimental jovem que acompanhou a Inezita Barroso na Virada Cultural e no SESCSP, esse trabalho posteriormente virou o primeiro e único DVD da Inezita, lançado pela TV Cultura.

2) Quando começou a empreender sobre a marca Serau Produções?

Iniciei as atividades com a Serau Produções Musicais em 2013, por consequência de trabalhos para os quais eu era chamado e necessitava de representação jurídica. Outro motivo para a constituição da empresa foi o descontentamento com algumas produtoras com as quais trabalhei.

Na época que abri a empresa, não havia a categoria MEI, então já comecei como Micro Empresa (ME), com tributações e custos altos, mas sobrevivemos. Por conta da dedicação em atender contratantes e contratados de forma correta e transparente, muita gente passou a me procurar. Cheguei a pausar os meus projetos e trabalhei bastante para outros artistas, o que sinceramente não me fez bem. Hoje o foco voltou ao meu trabalho artístico.

3) O que a Serau Produções oferece ao mercado hoje quanto a gravação e shows? Quais espetáculos estão em cartaz?

A produtora oferece os meus serviços de pesquisa, criação de projetos, direção executiva, musical e artística, arranjo e orquestração, arregimentação, representação jurídica e comercial. Estamos com duas temporadas fixas dentro da programação da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o Samba na Formosa no Centro Cultural Vila Formosa, onde prestamos homenagem a grandes compositores do Samba, e o BossaNova60 no Teatro Municipal da Mooca Arthur Azevedo, onde apresentamos clássicos e histórias desse gênero que modernizou a música brasileira. Além disso, postamos periodicamente vídeos e gravações em nossas redes sociais e, em breve, iniciaremos uma nova página onde falarei diretamente sobre o trabalho de direção musical, sobre arranjo e composição.

4) Como foi a pesquisa para o desenvolvimento do seu livro do arranjo brasileiro?

Esse projeto ainda está em desenvolvimento e é a linha do meu mestrado. Graças à generosidade da Inezita Barroso no curto tempo em que trabalhamos juntos, tive acesso a arranjos orquestrais de Gabriel Migliori, Garoto, Hervé Cordovil, Cyro Pereira, entre outros nomes que figuraram o elenco de arranjadores da antiga Radio Record de São Paulo.

Esse material foi de grande valia para o meu aprendizado e desenvolvimento como arranjador, aprimorando minha compreensão e escrita da música orquestral. Essa turma aqui em São Paulo, assim como Radamés Gnatalli, Leo Perachi, Lyrio Panicalli e Pixinguinha no Rio de Janeiro, tinham um fluxo de trabalho como arranjador altíssimo, pois eram fixos em programas diários. Recebiam a demanda pela manhã para gravar ao vivo à noite. Seria um sonho ou um pesadelo ter uma demanda diária de arranjos para nomes como Inezita Barroso, Isaurinha Garcia, Maysa, Carlos Galhardo, Germano Mathias e Nelson Gonçalves?

Para mim um sonho!

Enfim, com o tempo você começa a identificar as escolhas e artifícios de cada um dos arranjadores. Eu tenho grande parte do material de arranjo e orquestração editado pela Berklee e pela Hal Leonard, mas ainda é vital para mim ouvir e ler o que esses arranjadores brasileiros fizeram, muito antes dos métodos chegarem aqui.

5) Como considera a evolução do arranjo brasileiro desde as primeiras gravações da banda de corpo de bombeiros para a Casa Edson até a Era de Ouro do Rádio? Ali está um embrião que se perde ou se modifica com a influência da big-band norte americana?

Algo a ser dito sobre o material fonográfico da Casa Edson e também de gravadoras como a RCA-Victor, é que é obrigação de todo arranjador brasileiro ter o máximo de contato com essas gravações. Nelas estão o início de tudo, a construção de uma identidade nacional através da música, as ideias dos primeiros arranjadores, os primeiros solistas e as primeiras vozes brasileiras.

Outro dia estudava a canção Guacyra, de Hekel Tavares e Joracy Camargo, e ouvi a versão do João Gilberto que é lindíssima, mas não fiquei satisfeito. Fui atrás do seu primeiro registro, gravado em 1933 pela RCA Victor. Foi um desbunde! A introdução original, que parece ter sido feita na hora e guarda algumas imperfeições normais à época, é de uma beleza simples e rara. Usei-a com algumas alterações para um projeto ao qual me foi solicitado um arranjo da mesma canção.

Mas voltando à pergunta, acredito na transfiguração do som, da estética, da Casa Edson para o som da Era de Ouro do Rádio como um caminho lógico que acompanhou o movimento socioeconômico, cultural e tecnológico do país. No início do século passado, quando foram feitas as gravações da Casa Edson, na capital de um Brasil rural, ligado ao seu folclore e tradições mestiças, os músicos populares com conhecimentos rudimentares e suas bandas tentavam fazer referência a uma música ainda europeia que, acidentalmente e/ou idiossincraticamente ganharam o sotaque brasileiro. Vem daí o nascimento do Maxixe.

Eles estavam literalmente construindo o alicerce de uma música comercial brasileira, forjando uma estética própria através daquelas gravações. É possível fazer um estudo antropológico do Brasil somente através dos fonogramas da Casa Edson. Caminhando um pouco mais no tempo, entramos no dito “Paradigma do Estácio” em paralelo ao movimento de urbanização/favelização do Rio de Janeiro, onde o samba antigo maxixado deu passagem a um samba novo, sincopado. E a síncopa proporcionou aos arranjadores uma cartela nova de possibilidades para a sua escrita de acompanhamentos e complementos das gravações, modificando aquela linguagem inicial da banda do Corpo de Bombeiros. Com o final da Segunda Guerra Mundial, por conta da grande influência norte-americana, o som das big bands explodiu no mundo todo, coincidindo com a Era de Ouro do Rádio no Brasil, entre as décadas de 1940 e 1950. Porém, inúmeros músicos brasileiros já tinham tido contato com o Jazz e, por conta disso ou não, podem ter amadurecido sua música, como Pixinguinha na década de 1920 quando viaja para a Europa; Garoto na década de 1930 quando excursiona com Carmen Miranda e o Bando da Lua aos Estados Unidos; ou quando Orlando Silva grava em 1938 o fox Nada Além, de Mario Lago e Custódio Mesquita, com arranjo e orquestração de Radamés Gnattali muito característicos ao gênero; ou quando o mesmo Radamés faz o “samba de casaca”, expressão um tanto sarcástica de Ary Barroso em referência ao arranjo de Aquarela Brasileira, gravado em 1939 por Francisco Alves, por conta da forte influência da sonoridade das big bands, porém o arranjador usa a marcante síncopa dos tamborins nos saxofones, algo bem brasileiro. Enfim, dito tudo isso, eu prefiro ser positivo e acreditar mais em uma apropriação cultural, do que em uma perda. A cultura é viva e se modifica/atualiza. O que aconteceu nesse caminho foi o que Oswald de Andrade defendeu junto aos modernistas da década de 1920, no Movimento Antropófago, onde o resultado do fazer artístico se daria através da deglutição e interiorização de técnicas, conceitos e estéticas externas para que aqui fossem reelaboradas e convertidas e algo próprio nosso. Mas não acho que as apropriações sempre deram certo, não! Às vezes acontecem excessos e erros, como na década de 1980 quando a nova tecnologia dos teclados e sintetizadores chegou ao Brasil e todos fizeram discos inteiros com programações e sons eletrônicos ainda sem um total domínio das técnicas. Aquilo passou a ser uma exigência de mercado que datou grandes obras e também produziu muita coisa ruim. E hoje, surpreendentemente aqueles timbres viraram algo “vintage” e se tornaram moda entre alguns nichos. Enfim, esse papo dá pano pra manga! (rs…)

6) Como é empreender em produção musical em um mercado tão fragmentado e desfavorável ao empresário com a quebra das leis de incentivo e do mercado fonográfico de produtos físicos propriamente?

Não é uma tarefa muito fácil. É preciso da tal resiliência, tanto do conceito físico quanto do conceito psicológico (rs…). Tudo é tentativa e erro. Você cria um projeto, busca a venda direta para algum aparelho cultural ou o submete, ao lado de outros tantos projetos, às leis de incentivo e editais privados. Mas é necessário entender uma premiação dessa como um presente de aniversário, às vezes vocês ganha, às vezes não. Daí é necessário a paciência quando se “volta algumas casas” no processo. Deu certo, siga em frente. Não deu, avalie as etapas, adapte-se às mudanças, resista à pressão interna e externa e tente novamente. O segredo é tentar novas frentes, novas saídas. Esse ano consegui algumas parcerias inesperadas em uns projetos, ao passo que outros estão parados há dois anos, sem um retorno concreto, nem sim, nem não.

Falando em disco físico, para mim é como um cartão de visita, ou como renda extra em shows, mas não tem como ser a renda principal de um artista que não está no mainstream. Tenho estudado o movimento das plataformas digitais e as vejo com a atual solução de concretização de planos e projetos. De forma interessante, essa enxurrada de singles e EPs que encontramos hoje remete ao mercado fonográfico da época dos discos de 45 rpm, que armazenavam aproximadamente 5 minutos de áudio de cada lado, você pensava de forma compacta e enxuta o projeto a ser apresentado, lançava um compacto e via se o projeto vingava através das vendas e procura pelo disco.  Hoje você avalia o sucesso do projeto através de clicks e curtidas. Outra arma para o produtor musical é aliar tudo ao vídeo. É essencial hoje.


7) Quais trabalhos considera mais importantes na sua criação?

Eu tenho muito apreço por esses projetos aos quais fiz direção musical e arranjos:

  • Temporada BossaNova60, no Teatro Municipal da Mooca Arthur Azevedo (07/2018);
  • Projeto Canta, Inezita! Homenagem a Inezita Barroso sob encomenda do Sesc São José dos Campos, com a participação de As Galvão, Claudio Lacerda, Consuelo de Paula, Marcelo Jeneci e Maria Alcina (06/2018);
  • Temporada Samba na Formosa, no Centro Cultural Vila Formosa (03 a 11/2018);
  • Grande Banda convida Cristóvão Bastos, Virada Cultural no Teatro Municipal da Mooca Arthur Azevedo (05/2017);
  • Orfeu da Conceição, com Mônica Salmaso, Sergio Santos e a Grande Banda, no Teatro do Sesc Santo André (09/2016);
  • Temporada Bandinha Popular e As irmãs Galvão no Circuito Municipal de Cultura (01 a 08/2016);
  • CD e DVD Duas Noites para Dolores Duran, com participação de Ângela Maria, Carlos Lyra, Cauby Peixoto, Cida Moreira, Claudette Soares, Dóris Monteiro, Elba Ramalho, João Donato, Lana Bittencourt, Leny Andrade e outros, lançado pelo selo Canal Brasil (07/2015);
  • DVD Cabocla Eu Sou, de Inezita Barroso, lançado pela TV Cultura e Substancial Music (11/2013);
  • Prêmio Funarte Centenário de Luiz Gonzaga 2012 para o livro de partituras e CD: O Choro de Luiz Gonzaga, lançado pela Choro Music (2012).

Além desse projetos, também fiz curadoria e produção do projeto Choro no Mercadão, no Mercado Municipal de São Paulo, a convite da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (02 a 04/2016); e trilha para o documentário sobre empoderamento feminino da Plan International Brasil: Essa é minha vez (11/2015).

8) Como avalia a formação do músico brasileiro perante as variações do mercado de trabalho?

Eu não tive a chance de estudar formalmente música e produção musical. Aprendi muita coisa no campo de atuação, tive dificuldades pelo caminho e tentei suprir as lacunas na base da tentativa, erro e acerto, o que tomou um pouco do meu tempo. Acredito que as duas frentes sejam extremamente necessárias, o ensino formal e o aprendizado no campo de atuação. Temos escolas muito boas como o Souza Lima e outras tantas possibilidades de atualização, também através de cursos técnicos dos mais diversos. Mas como os meus pais dizem, o aluno é quem faz o seu curso. Só o músico curioso e interessado, que se dedica ao estudo e ao campo de atuação, acaba se tornando dinâmico o suficiente para compreender o mercado de trabalho e viver dele.

9) Você também é violonista Paulo, além de arranjador, produtor musical e empreendedor, quanto é importante ao futuro músico profissional ser capaz de diversificar sua atuação?

Para mim é fundamental a todo ser humano ter variadas frentes de atuação, contanto que essas frentes tenham um sentido real. Penso um pouco como um generalista. Mas é necessário que essas novas frentes de trabalho sejam exercidas com cem por cento da sua capacidade, atenção e paixão. Se o envolvimento com o trabalho for menor do que cem por cento, não o faça. Não gaste o seu tempo e o tempo do próximo. Eu recuso trabalhos nos quais não acredito, ou aos quais não terei condição de me dedicar plenamente. Quando fazemos algo pela metade, perdemos tempo, prejudicamos a todos. E o tempo é o bem mais valioso que temos.

Um exemplo da importância da diversificação da atuação é o trabalho que o Nelson Faria (também entrevistado no Quero Ser Músico)  faz atualmente. Ele é um músico exemplar, com uma carreira nacional e internacional consolidada, e mergulhou de cabeça nas mídias sociais com o projeto Um Café Lá em Casa. Ele apresenta e produz o próprio canal, fazendo aquilo que ama e acredita, música. Mas nessa onda atual de “faça você mesmo tudo o que puder e não puder”, viralizada por inúmeros coachings que pululam nas redes e emails é necessário extremo cuidado.  Quer ampliar e diversificar sua atuação? Tudo bem! Mas se proponha a fazer aquilo que você realmente tenha uma capacidade mínima para fazer. Estude um pouco antes de tentar novas frentes. Pesquise e se prepare. E tome cuidado com a sua saúde, pois eu já entrei numa espiral cruel onde produzia, dirigia, fazia arranjos, tocava, etc… E tudo isso sendo “pai fresco”! (rs…).  Cuidado! Todos temos direito a aproveitar nosso tempo, a respirar. Temos que fazer o exercício de olhar para nós mesmos e buscar o equilíbrio das coisas. Um exemplo próximo, quando recebi essa entrevista há 4 dias atrás, estava no meio da pré-produção da temporada BossaNova60. Li as questões, fiquei super feliz com os temas propostos, mas terminei o que tinha para fazer, concentrei-me nas questões e as respondi hoje. Dedicação total ao que estou fazendo agora. Terminando esse tópico vou correr com meu filho na praia.

10) A faculdade de música popular no Brasil tem pouco menos de trinta anos, como avalia a formação universitária no Brasil hoje?

Sinto que percorremos um bom caminho. Quando converso com o Roberto Sion sobre formação musical acadêmica, ele sempre diz que hoje é uma benção termos tantos caminhos possíveis, na época dele foi um sacrifício conseguir estudar fora do país para se aprimorar. Mas sinto que grande parte dos músicos que se formam hoje não tem muito interesse pela história, pelo fato social que gera a música, por questionamentos filosóficos. Falta a compreensão dos porquês de um gênero ter sido criado em tal época, dos contextos sociais, dos textos. Temos muitos músicos que aplicam escalas, modos, alguns são até velocistas, mas muito poucos são pensadores. Isso é algo a se pensar e trabalhar. Pensei aqui em uma coisa que preocupa, o atual crescente número de músicos que buscam na licenciatura somente uma forma de aumentar a renda, sem ter talvez a paixão e a real dedicação pelo ensino. Fruto dos tempos difíceis. Mas vamos caminhando, o futuro há de ser bom!

Caríssimo amigo Paulo Serau, agradeço a entrevista
 
A contribuição com uma nova geração de músicos profissionais, melhor formada, mais informada, é um legado que com certeza temos em comum.
 
Grande abraço
 
João Marcondes
Entrevista realizada em 16 de julho de 2018, por e-mail. Republicada em seis de junho de 2022.

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