28 out Quero ser musicista Entrevista: Mariana Sayad
Um prazer imensurável entrevistar Mariana Sayad, uma minha amiga de longuíssima data, e de tantos projetos juntos (que sonhávamos e dividíamos), que uma publicação apenas não seria capaz de descrever tudo.
Nos conhecemos como estudantes do Souza Lima – muita gente incrível passa por aqui antes de se profissionalizar, e nos tornamos parceiros de muita coisa legal.
Mariana é produtora, jornalista e pesquisadora, e uma dedicada educadora. Sempre transitando nos percursos musicais, Mariana vem desenvolvendo importante obra no campo do empreendedorismo feminino, e em meio, aos enlaces que a cultura fornece.
Economia limpa, cultura é bandeira de todo seu trabalho.
E nós, fizemos projetos lindos juntos como VOZES DA MÚSICA INSTRUMENTAL, o embrião da ÁRVORE GENEALÓGICA DA MÚSICA INSTRUMENTAL ainda com Mané Silveira e Paulo Braga, O SAMBA NA VOZ DO SAMBISTA, e sonhamos muito!
A série QUERO SER MÚSICO, entrevistou apenas homens.
A série QUERO SER MUSICISTA volta em momento muito apropriado para fechar seu ciclo, serão 25 entrevistadas, essa é a décima primeira entrevista publicada, e sempre com a finalidade de orientar o futuro músico, e nesse caso a futura musicista. Aprecie! Boa leitura!
ENTREVISTA #11
Nome: Mariana Sayad
Cidade Natal: São Paulo
Ano de Nascimento: 1980
Instrumento: Vários. Atualmente, Flauta Transversal e me preparando para inicial no Sax Soprano.
Formação Acadêmica: Bacharel em Jornalismo e mestre em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade
Formação Livre: música popular e ser mãe (risos)
1) Como foi seu envolvimento inicial com a música? Quando decidiu intensificar a atuação e de fato profissionalizar-se tendo a música como área profissional?
Eu comecei aos 14 anos com minha melhor amiga. Ela me ensinou os primeiros acordes no violão. Depois, eu procurei aulas particulares no instrumento e depois migrei para o piano popular. Quando chegou a época do vestibular, decidi segui para a pesquisa musical e jornalismo musical. Fiz jornalismo e meu Trabalho de Conclusão de Curso foi um documentário sobre choro, depois fiz especialização em História, Sociedade e Cultura para continuar a pesquisa em choro.
A partir disso, percebi que precisava me especializar em música, história e produção cultural para conseguir gerir a carreira na área e financiar os projetos nessa área. Então, segui para o MBA em Bens Culturais: cultura, economia e gestão e depois no mestrado aprofundei a pesquisa na relação entre cultura, política cultural e território.
2) Quais as principais barreiras encontradas para o desenvolvimento da sua carreira?
A principal delas é a falta de tempo. A pesquisa demanda muito tempo e pouco financiamento. Isso nos leva a seguir a carreira para outros caminhos paralelos. Outro fator é que quando iniciamos na área de musicologia, temos mais tempo e menos experiência. Como se essa área exigisse certa maturação.
Atualmente, posso dizer que estou em um dos melhores momentos da carreira, em que consigo conciliar a pesquisa, com a produção cultural e as aulas. A sala de aula é meu local favorito de se estar, tanto enquanto professora, quanto aluna.
3) Quais suas principais referências femininas para um desenvolvimento tão diversificado em sua carreira?
Na área da música, referências femininas são um desafio. Sempre foi uma área muito masculina. Dito isso, a minha maior referência sempre foi e será Chiquinha Gonzaga! Uma grande pianista, ou pianeira (como eram chamadas as pianistas com repertório popular), regente, compositora, autora. Enfim, pioneira em muitos aspectos.
Outra referência é a Tarsila do Amaral. Artista plástica que interpretou o Brasil com um olhar popular e colorido. Uma verdadeira antropofágica em sua arte. Utilizou toda sua história, conhecimentos e formação europeia e aplicou em uma arte muito brasileira. Outra referência é a Lea Freire. Primeiro como estudante de flauta transversal, não tem como não a citar, e depois enquanto produtora cultural, ela é uma super referência com a Maritaca (gravadora e selo). Outra grande referência é a Andrea Ernest Dias, que além de uma grande flautista (comecei a estudar o instrumento por causa dela), é uma grande pesquisadora de música também. Para finalizar, Ana Carla Fonseca (Cainha) que é uma das maiores referências em Economia Criativa no mundo. Tive o privilégio de ter aula com ela, quem abriu muito meu olhar para as diversas possibilidades da cultura e da arte. Quem me levou à pesquisa de política cultural
4) Na sua área de atuação em música como é o ambiente de profissionalização em música para o gênero feminino?
Quando eu comecei a estudar, era muito comum eu ser a única mulher da sala de aula (ou uma das únicas mulheres). Hoje é muito melhor esse ambiente de profissionalização para as mulheres, ainda falta muito, mas melhorou muito. O próprio meio acadêmico olha para isso, estuda e abre espaço para essa reflexão. Antes, era normalizado não ter muitas mulheres como professoras, pesquisadoras ou musicistas.
5) Uma dica aos estudantes e ouvintes: qual seus artistas prediletos? E o que representa suas referências profissionais?
Eu nunca me prendi a um único caminho, sempre busquei a diversidade. Quanto mais ouvimos, lemos, assistimos coisas diferentes, mais nossa criatividade floresce. Há alguns estudos sobre isso, inclusive, sobre a importância dessa diversificação para a criatividade.
Vamos lá… Na música, estou na fase mais Emicida e André Abujamra. Do Abujamra um destaque para “O Homem Bruxa” e “Omindá”. Este segundo, uma obra-prima musical, visual e cinematográfica. Ando explorando muito a obra desses dois artistas. Uma artista que adoro é a Alzira E. O trabalho mais recente dela com a banda Corte é muito impactante. Ao mesmo tempo, ouço choro todos os dias. Difícil definir um artista predileto, pelas diversas fases.
No cinema, um destaque para o “O Filme da minha Vida” (direção de Selton Mello), um dos melhores filmes dos últimos tempos e o “Marte Um”, que é singelo e traz um interior do Brasil que conta muito da nossa história atual. Na literatura, “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório. Uma história linda, sobre despedida, luto, racismo e amor.
6) Como verifica a carreira da musicista hoje, em comparação ao momento em que profissionalizou, tanto sobre mercado quanto sobre a formação, hoje com graduação, e faculdade como percurso praticamente realizado por todos?
Hoje, podemos falar que existe uma carreira de musicista mais estruturada. Quando eu iniciei, a profissão de produtora cultural ainda não era algo muito estabelecido. Aprendíamos no acerto e erro. Não tinha uma formação na área, não tinha internet e nem o acesso que tempos hoje à informação. Imagina a pesquisa, então? Só na academia mesmo.
Atualmente, há uma gama enorme de possibilidades. Cursos bem estruturados, bons professores e professoras. Hoje, é possível iniciar na carreira de música sabendo alguns caminhos possíveis, planejamento e muito acesso ao conhecimento.
7) Como é o mercado musical em sua visão perante a sociedade? Os mesmos problemas que temos na sociedade brasileira se refletem no mercado musical? Machismo. Assédio. Desrespeito. Tanto quanto oportunidades, e consolidação da carreira das musicistas? Você percebe melhoras?
Só o fato de falarmos sobre isso já é um sinal de melhora. Há 20 anos, o assédio era considerado comum, tão comum, que não se falava disso. Quando o assunto veio à tona, trouxe muita coisa que acontecia que achávamos normal, mas nunca foi normal. Machismo ainda existe muito, especialmente, de homens que acham que sabem mais por que são homens. A maioria nem percebe isso, de tão naturalizado. Atualmente, as mulheres têm muito mais espaço, mas está longe de ser igual, pois partimos de locais diferentes, ou seja, a questão está lá trás, por isso, vai demorar um bom tempo para ser igual.
O mercado musical está inserido na sociedade, então, ele tem as mesmas questões. Porém, eu ainda vejo um agravante, pois são artistas e a sociedade costuma endeusar artistas. Um deus machista é difícil de acreditar, não é? Acredito que ainda precisamos falar muito sobre isso no meio musical, mas não somente entre mulheres, os homens precisam participar disso, afinal, vivemos em sociedade.
8) Verificando como é pensar o mercado brasileiro, a indústria fonográfica, a música, e prover iniciativas no desenvolvimento musical em nosso país? O que tem realizado?
A indústria fonográfica hoje vive seu novo mal: streaming. Especialmente aos músicos independentes. Não vejo com bons olhos a música gravada… por enquanto. Em contraposição a essa indústria, eu vejo uma esperança que é o encontro de duas vertentes: o coletivo e as pequenas iniciativas. Muita coisa que começa pequena e com um grupo de pessoas engajadas prospera.
Eu tenho feito muita coisa. Estou trabalhando em um projeto com uma empresa de Machado (MG), Ame Cultura, que presta serviço para o Sebrae e, nesse caso, estou como coordenadora técnica do Projeto Crie Políticas Públicas, que irá atender 700 municípios para operacionalizar aa Lei Paulo Gustavo e PNAB. Um dos projetos mais importantes da política cultural no Brasil atualmente. Além disso, lancei um e-book recentemente para elaboração de projetos culturais e estou produzindo alguns projetos musicais em Minas Gerais, em especial, um de recriação de uma Orquestra Experimental em Pouso Alegre.
9) Quais os planos para o futuro? E o que aconselharia para uma jovem musicista leitora aqui do BLOG?
Sempre tenho muitos planos para o futuro. Estou focando mais em audiovisual, especialmente, os voltados para a música e cultura brasileira. E estou começando a preparar um livro sobre essa produção cultural e suas transformações.
Se é que posso dar um conselho, lá vai… seja uma pessoa diversa. Isso é algo que me guia, me levou a locais que jamais imaginei ir. Leiam muito, assistam a bons filmes, ouçam sempre coisas novas. Nunca parem de estudar e nunca (jamais) percam o brilho nos olhos. A arte é linda, viver dela é lindo também, mas exige muito de nós, pois ela é a expressão da nossa alma. Por isso, o brilho nos olhos é muito importante. Não desistam, quando estiverem sentindo aquele cansaço, descansem. O descanso faz parte do trabalho também.
Obrigado pela entrevista.
A formação humana que leva em consideração a profissionalização com respeito e ética faz parte do nosso íntimo, Mariana.
Um abraço.
João Marcondes
A entrevista foi realizada em 21 de março de 2024 por email.