Quero ser musicista Entrevista: Hilda Maria

Quero ser musicista Entrevista: Hilda Maria

É importante para este projeto que tem como objetivo orientar carreiras ter como entrevistados personagens em diferentes estágios profissionais.

Hilda Maria é uma nome ascendente entre os que mais aprecio tanto como intérprete quanto como compositora. Conheço seu trabalho e dedicação ainda como colegas no Conservatório Souza Lima, eu mesmo fui estudante da instituição antes de assumir os projetos e desenvolver tantos outros por aqui.

Sua entrevista é um marco que aprecio por lembrar dos primeiros momentos na escola em que vivemos juntos, e minha admiração é também uma aspiração por toda consolidação de seu trabalho que sei que virá.

ENTREVISTA #7

Nome: Hilda Maria Leutz Martins

Cidade Natal: Santos – SP

Ano de Nascimento: 10/06/1983

Instrumento: Canto e violão

Formação Acadêmica: FFLCH-USP e Unifiam-faam (incompletos).

Formação Livre: Conservatório Souza Lima

1) Como foi seu envolvimento inicial com a música? Quando decidiu intensificar a atuação e de fato profissionalizar-se? E em que ano? 

Eu venho de uma família que não vive sem música, meu pai tem um rádio em cada cômodo da casa. Então, foi algo natural eu começar a falar e logo começar a cantar. Minha mãe estudou piano e ganhou um quando estava grávida de mim. Sendo assim, cresci com o piano. Aos nove anos minha mãe me sugeriu fazer aula de canto, já que eu cantava o dia todo. Em tudo que havia música eu me enfiava. Qualquer oportunidade de montar qualquer grupo musical eu agarrava.

Com 17 eu comecei a tocar com outras meninas da escola de música, que conheci na prática de bandas. No meu primeiro ano estudando no Souza Lima resolvi assumir que eu não faria outra coisa profissional que não fosse relacionada a cantar, que não fosse musical.

2) Como foi esse processo de se tornar musicista perante sua sociedade?

Minha família sempre me apoiou, sempre me dizendo que eu poderia ter a profissão que quisesse. Na verdade, eles não entenderam muito quando saí da escola e não quis entrar na Faculdade de Música. Mas nunca negaram o fato de que eu não podia deixar de estudar, pois eu tinha algo para continuar desenvolvendo na música.

Eu havia entrado na FFLCH, cursava história e logo depois, consegui uma bolsa de estudos no Souza Lima. Aí ficou puxado: era muita coisa para fazer entre a USP e o SL – além dos compromissos musicais que volta e meia surgiam e me faziam perder aulas, pois o curso na USP era noturno. Tive que escolher.

Meus pais a princípio ficaram cabreiros, afinal, estava largando uma faculdade de renome, uma conquista, possibilidade de diploma… mas eu conversei com eles. Disse que não queria perder a bolsa, precisava me dedicar mais… e que o que eu me via fazendo mesmo era na música. Eles confiaram em mim. Dois anos de estudos no Conservatório me fizeram ter vontade de finalmente cursar Licenciatura em Música e assim entrei na Faam. No fim das contas, para a sociedade e família era óbvio que eu me tornaria musicista. As outras escolhas que tive que eram “diferentes”…

3) Como é atuar tanto como educadora, compositora para espetáculos infantis e artista de seu próprio discurso? De certo modo as ações convergem?

É bastante coisa, mas elas vão se complementando, se apoiando e pra mim é bom pois não gosto de ficar parada. Eu acredito que seja uma sorte eu poder fazer música como eu faço. Eu sempre gostei muito de crianças e “tive jeito”com elas. O meu trabalho de educadora me dá base na hora de compôr e cantar para crianças, pois me ajuda a me colocar no lugar delas, adentrar e respeitar seu universo. Ao passo que trago para a canção infantil a base do meu trabalho de composição em geral, que é sempre trabalhar com a música e cultura brasileira em geral. Criança adora um “rockinho”? Adora! Mas elas também adoram samba. Baião. Ijexá. Porque elas gostam de movimento!

4) Como funciona seu processo composicional? Letra ou música? Ou letra e música? E como a criação influi na composição de um repertório para um álbum ou um show, canções que convirjam, divirjam, e para enfim se complementarem entre obras próprias e de outros autores. Se puder exemplifique com seu álbum “Feito de rendas”.

Atualmente eu sempre começo buscando sonoridades no violão, ritmos e acordes… para depois vir uma letra e melodia. Às vezes leio versos de amigas e amigos (ou até mesmo minhas) que me sugerem melodias ou ritmos. Já fiz letra e música ao mesmo tempo, mas hoje em dia isso é bem mais raro.  Eu não são uma compositora efusiva, que faz uma música por dia… então na hora de pensar num repertório, procuro escolher as músicas que tenham a ver com a linha que alinhava a narrativa de um show ou álbum. Por exemplo, no Feita de Rendas eu queria um disco mais solar. Então algumas músicas minhas ficaram de fora, porque a sonoridade não dialogava com a proposta.

5) Pude acompanhar seu desenvolvimento artístico pelo longo tempo que nos conhecemos, que elementos foram primordiais para o desenvolvimento de sua identidade entre as práticas empíricas e o estudo formal?

Acredito que o estudo formal me tornou uma profissional mais ciente do meu trabalho, das responsabilidades implícitas a ele. Também me deu segurança que o conhecimento traz. Enquanto que a parte empírica de me estudar, ouvir e olhar pra mim mesma e meu momento enquanto artista, continuamente me ajudam a afirmar a minha identidade como tal.

6) Como se estabeleceu esse novo projeto cantando Carlinhos Vergueiro, um compositor valoroso da música brasileira, que de certo modo é pouco reverberado nos repertórios de discos e shows por aí?

Eu sempre conheci Carlinhos por nome. Até que através de um grande amigo em comum o conheci pessoalmente e fui buscar conhecer melhor a sua obra – o que de quebra e me deu uma alegria (pela qualidade) e um inquietação enorme: porque ele não é reverberado como deveria? Eu sempre gostei de montar shows sobre a obra de um compositor. Então uni o útil ao agradável: já estava querendo montar um show novo de samba com o violonista e arranjador Paulo Serau, que comprou a ideia e assim nasceu “A voz do Brasil”, um show (e logo mais EP a ser lançado) que procura mostrar esse grande Carlinhos Vergueiro, cronista brasileiro. Eu quis cantá-lo, para sanar essa dúvida que restou dentro de mim desde a primeira música ouvi do Carlinhos: por que eu nunca cantei as músicas desse cara TÃO genial??

7) O que melhor representa seu trabalho ao novo ouvinte ou leitor do BLOG?

Este trabalho novo, “A voz do Brasil”, que o público pode conferir no youtube pelos videoclipes lançados.

8) Como é o mercado musical em sua visão perante a sociedade? É possível observar uma discrepância de gênero em determinadas áreas de atuação do musicista? Quais as dificuldades extras que enfrenta uma musicista no estabelecimento de sua carreira?

A sociedade enxerga o mercado musical de forma muito glamorizada por um lado, e por outro, quem não se enquadra neste glamour é digno de pena, pois deve “sobreviver da música”. Ao mesmo tempo que as pessoas não entendem o real valor do nosso trabalho – mesmo a vida sendo permeada o tempo inteiro pela música. Infelizmente ainda existe uma discrepância de gênero. A mulher musicista ainda é colocada num lugar de “será que ela sabe tocar? Sabe o que está fazendo?” Já melhoramos, pois hoje temos mais bandas com mulheres, mas ainda temos chão. A principal dificuldade é que a sociedade machista ainda não enxerga a mulher como senhora do seu trabalho e capaz de decisões práticas, achando que sempre o músico homem que deve coordenar tudo.

9) Quais projetos tem desenvolvido? E quais conselhos você daria a uma musicista iniciando sua carreira hoje, com a decisão de ingressar nessa área tão fundamental para a sociedade em ponto e contraponto?

Além do “A voz do Brasil”, faço parte do Núcleo Caboclinhas, grupo de teatro com o qual tenho circulado há 3 anos com o show “Criança que canta também dança”, trazendo os ritmos e danças brasileiras para os pequenos. E há cerca de um ano e meio faço parte do João de Barro, grupo de gafieira, dividindo os vocais com o Zé Leônidas.

E meu conselho seria: não deixe de estudar (independente de como você estude) e acredite na música que te faz feliz – principalmente se ela for o seu respiro. Os caminhos vão se fazendo. Isso não significa que serão fáceis, mas que existirão.

Caríssima Hilda, agradeço muitíssimo a entrevista. 

O prazer foi todo o meu, é sempre uma alegria poder conversar contigo, João!

A contribuição com uma nova geração de musicistas profissionais é um passo fundamental das ações que desenvolvo, e é um prazer contar contigo.

Um abraço!

João Marcondes

Entrevista realizada por e-mail em 15 de junho de 2019.

#VemProSouzaLima