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Quero ser Musicista Entrevista: Gabi Gonzalez

Quero ser Musicista Entrevista: Gabi Gonzalez

Vamos lá?

Seguimos a toada para a composição visual e reflexiva da formação do novo musicista. As entrevistas que promovemos no BLOG Souza Lima possuem o intuito de contribuir na orientação da carreira de novos musicistas.

Hoje especialmente entrevistamos a guitarrista Gabi Gonzalez, também educadora e compositora. Vamos lá?

ENTREVISTA #10

Nome: Gabi Gonzalez

Cidade Natal: São Paulo

Ano de Nascimento: 1972

Instrumento:  Guitarra

Formação Acadêmica: Especialização Lato sensu em Educação Musical (FIC), Especialização Lato Sensu em Música Popular (FACCAMP), Graduação em História (USP), Licenciatura (USP)

Formação Livre: U.L.M “Tom Jobim”, certificado expedido pelo CEM “Tom Jobim”- guitarra (nível avançado)

1) Como foi seu envolvimento inicial com a música? Quando decidiu intensificar a atuação e de fato profissionalizar-se?

Meus pais sempre gostaram muito de música, embora o primeiro instrumento musical que surgiu em casa  foi um Giannini Trovador que eu ganhei aos treze anos. Há relatos familiares de que eu adorava Rick Wakeman logo aos três anos de idade, quando meu pai ouvia o álbum “Viagem ao centro da terra” eu ficava tão empolgada que ficava correndo ao redor da mesa da sala de de casa ( rs )… , mas é claro que não me lembro disso. No entanto, tenho uma lembrança muito especial  de quando fui assistir um show da Rita Lee no Ginásio do Ibirapuera, já com 10 anos de idade, foi emocionante e me lembro como se fosse um acontecimento do ano passado. Aos catorze anos comecei a fazer aula de guitarra com um professor que me incentivou a improvisar no Blues e aos dezoito estudei violão clássico, quando tive meu primeiro contato com notação musical. Naquela época, no entanto, não pensava em ser uma musicista profissional, mesmo tendo a música como essência da minha vida. Em 1995, quando estava no quarto ano da graduação em História, eu entrei em guitarra na U.L.M. “Tom Jobim” (Universidade Livre de Música, hoje EMESP) e minha vida mudou completamente. Eu já estava desanimada com o fato de dar aulas de História na rede pública e, quando passei  a ter contato com músicos profissionais, acabei migrando de profissão.

2) Quais as principais barreiras encontradas para o desenvolvimento de sua carreira?

Hum… Uma carreira musical subdivide-se em diversas atividades. Em relação à carreira de professor, acredito que a pior dificuldade encontra-se nos dias de hoje devido ao estreitamento do mercado. Em relação à atividade de musicista/intérprete  acho que o  conflito principal consiste em  tocar músicas que, subjetivamente, julgamos de baixa qualidade apenas para se obter cachê. Por outro lado,  no tocante à atividade de pesquisa, a Internet proporciona cada vez mais material para se escrever um artigo, por exemplo, e isso é fantástico.

3) Como é gerir uma carreira que possui a docência, o fazer artístico e a produção musical e executiva de seus próprios trabalhos? E como gerir a prática da instrumentista quanto a tudo isso?

Eu penso que a profissão da música exige muito mais horas de trabalho do que qualquer outra. Isso porque o tempo da atividade profissional do músico não é só o momento da sua performance, antes disso houve a necessidade chegar previamente ao local do evento para passar o som, organizar o repertório e horas de estudo para sua execução. A docência não é uma prática destinada para todos os músicos, embora muitos vejam isso como uma alternativa de expansão de renda. Para dar aula é preciso vocação e empatia, é preciso criar senso crítico e discernimento no aluno perante a disponibilidade de conteúdos disponíveis na internet.

Quanto à carreira artística, é muito complicado para o músico dar conta das três etapas: composição, preparação da performance e divulgação do seu trabalho. Por outro lado,  atividades como docência e execução como intérprete estão muito mais relacionadas à sobrevivência do profissional do que o desenvolvimento da sua própria carreira artística. Resumindo, o músico precisa de muita disciplina para organizar seu tempo com o trabalho em atividades destinadas ao seu sustento imediato concomitantemente ao desenvolvimento de sua carreira artística.

4) Como se comporta a Gabi compositora? Qual sua rotina para a composição?

O processo de composição para mim é algo bastante curioso. Se me permite o exagero da constatação, compor é como uma atividade mediúnica. Quando ouço minhas músicas, tenho a sensação de que as mesmas já existiam em algum lugar do tempo e do espaço, eu apenas as materializei. Apesar de possuir dois discos gravados apenas com músicas de minha autoria: Morro do Eixo (2012) e Com Elas (2018), eu não tenho uma rotina para composição, sendo uma atividade espontânea e livre para mim. Neste ano, 2019, compus apenas dois temas, relacionados a duas viagens que fiz, a primeira para Boiçucanga a segunda para Salvador.

5) Como você verifica a carreira do musicista hoje, em comparação ao momento em que se profissionalizou, tanto sobre mercado quanto sobre a formação, hoje com graduação, e faculdade como percurso praticamente realizado por todos? É fundamental graduar-se para ingressar na carreira de musicista?

A grande maioria dos meus professores de guitarra não teve carreira acadêmica, a sua formação se consolidou a partir do exercício prático da profissão. Mas há de se considerar que na época dos meus mestres o mercado de trabalho para o músico era bem mais vasto, ao contrário dos dias de hoje quando muitas bandas são substituídas por um único dj e/ou um disco pode ser produzido por apenas um músico. Então vejo as graduações de instrumento como um espaço importantíssimo de desenvolvimento prático do músico já que o campo de trabalho está cada vez mais restrito. Outra importância das faculdades de música é a valorização da formação do músico perante a vasta quantidade de conteúdos informativos disponíveis, criando senso crítico e discernimento nas escolhas e filtro de todo esse material virtual.  

6) Os mesmos problemas que temos na sociedade brasileira se refletem no mercado musical? As oportunidades e consolidação da carreira das musicistas é o mesmo para os musicistas? Como foi esse procedimento para você?

Certamente a nossa profissão recebe influência direta da atual conjuntura do nosso país. No aspecto econômico, os primeiros cortes de verba a serem feitos são em relação à cultura, e isso reflete na diminuição de trabalho para o músico. Hoje em dia, é comum o número de mulheres instrumentistas atuando profissionalmente, vejo que o machismo sobrevive mais no âmbito cultural, longe de ser extinto, do que como um obstáculo profissional direto dentro do mercado de trabalho musical, bom… não tenho muita certeza, mas prefiro pensar assim. Eu já sofri preconceito, com certeza e posso testemunhar.

Certa vez, no final da década de 90, fui à rua Teodoro Sampaio comprar uma guitarra. Quando cheguei na loja (uma loja famosa que ainda “sobrevive”) apontei para o vendedor uma Fender americana modelo Stratocaster que estava pendurada na parede e lhe disse: “oi, posso ver aquela guitarra?”. Ele pegou a guitarra e começou a tocar o instrumento para me mostrar. Depois de alguns minutos eu fiz outra pergunta: “hei, posso tocar a guitarra?” e o vendedor me respondeu com outra pergunta: “mas você toca guitarra?”.

Claro que cenas constrangedoras dessa natureza são cada vez mais raras hoje em dia, mas ainda são dignas ainda de reflexão.

7) Como evoluir em oportunidades para que a procura por uma sociedade mais justa se reflita antes em nossa área de atuação profissional?

A luta por uma educação laica em primeiro lugar. No Brasil temos uma história cultural muito influenciada pela tradição africana e seus reflexos na nossa música, principalmente em relação ao ritmo, são evidentes. Mesmo reconhecendo o papel das Igrejas  no desenvolvimento da atividade musical, sobretudo para a população mais carente visto a falta de políticas públicas voltadas para a cultura, considero fundamental uma formação sem tendência ideológica. Tenho total convicção em afirmar que, sobretudo em nosso país, ter preconceito religioso e racial é antes de tudo uma postura anti-musical, portanto espero que a nossa classe profissional seja a primeira a encabeçar uma luta pela Educação Laica que nos livre da intolerância.

8) Quais projetos têm daqui para o futuro?

Gostaria de unir a minha graduação em História, concluída há 20 anos, com a minha prática e formação musical através de um projeto de mestrado (no atual momento dessa entrevista, estou fazendo uma disciplina na Unesp como aluna especial, mas ainda tenho dúvidas quanto à temática do meu projeto de pesquisa  e a instituição).

O meu projeto de vida em geral consiste em sempre buscar forças para continuar meu trabalho como educadora (desenvolvimento de paciência, empatia, diversidade e ampliação de minha formação), instrumentista (capacidade para executar diversos estilos e projetos: acompanhar quarteto vocal de música popular, tributo a artistas como Amy Winehouse, música para teatro infantil, gigs com repertório jazzístico para bares e eventos, gigs com repertório de classic rock e pop, entre outros projetos que constam na lista dos últimos trabalhos), pesquisadora (trabalhos de biografia e análise de instrumentistas femininas publicados atualmente em sites) e compositora popular (a gravação  de um terceiro disco autoral me parece inevitável).

Perfeito. Caríssima Gabi, agradeço muitíssimo a entrevista.

Querido João Marcondes !! Você, como  sempre,  muito gentil e amigo !!! Obrigada por essa oportunidade de reflexão e compartilhamento.

A contribuição com uma nova geração de músicos profissionais, melhor formada, mais informada, é um legado que com certeza teremos em comum.

João Marcondes

Entrevista realizada por e-mail em 22 de setembro de 2019. A foto que ilustra brilhantemente a publicação é de Marina Decourt.

Vamos ouvir mais da Gabi?

 

#VemProSouzaLima