O Mercado Fonográfico influencia na Escola de Música?

O Mercado Fonográfico influencia na Escola de Música?

Hoje começamos uma série para o BLOG Souza Lima: Considerações sobre a Educação Musical. A primeira publicação: O Mercado Fonográfico e a Escola de Música.

Mercado Fonográfico hoje é composto por gravadoras, televisão – programas, o rádio – programação, as lojas físicas e digitais, streaming, produtoras, casas de espetáculo, cinema; tudo onde a música em fonograma estabelece comunicação e consumo. E levando-se em conta a música como espetáculo presencial, o mercado fonográfico praticamente domina as práticas musicais.

O Mercado Fonográfico aglutinou desde seu advento no início do século XX todos os meios de comunicação possíveis, e não se pode esquecer, nos dias de hoje as redes sociais – como Instagram e Facebook; tiktok e até o whatsapp, de uma outra maneira.

Escola de Música por outro lado é um espaço de troca onde se constitui aprendizado – fisiológico, e simbólico e de musicalidade. Não compõe o mercado fonográfico a priori, mas interage de acordo com suas variações.

Observações

Em quase vinte anos atuando como educador no Conservatório Souza Lima, e mais da metade desse tempo como coordenador pedagógico, pude perceber variações incríveis na soma dos fatores – mercado fonográfico e escola de música. E ressalto: que interessante equação!

Pelos idos de 2003 os guitarristas eram “ídolos”. Quando ingressei no corpo docente do Souza Lima, o instrumento de maior procura justamente era a guitarra. Menos que na década de 1980 e 1990 onde se cultuava as frases, licks e riffs inesquecíveis.

Nos anos 2000 pode-se dizer que ecoava a sombra dos grandes guitarristas. Por conta própria ou contadas pelos pais amantes do instrumento, os adolescentes eram numerosos, ávidos pelo instrumento. Uma influência indireta, possivelmente.

E aí veio o fenômeno do vídeo game. A guitarra estava lá, e inundou a escola de jogadores de vídeo game querendo tocar guitarra de verdade.

O pai que não pôde estudar queria realizar o desejo frustrado em seus filhos. E isso trouxe centenas e centenas para o ambiente da escola de música.

Guitar Hero

Devemos, naquela altura, ao fenômeno Guitar Hero uma renovação no interesse do instrumento, é verdade.  Foi uma febre que trouxe a guitarra ao novo protagonismo direto e irrestrito para as escolas de música!

Veja bem: Guitar Hero definitivamente não é guitarra.

Fui professor de um campeão mundial de Guitar Hero – campeonatos comuns no início do século XXI. O campeão foi desafiado, tinha 6 meses pra tocar a música que lhe fez detentor do título internacional, só que em uma guitarra de verdade.

Obviamente, foi impossível. Levaria no mínimo 3 anos. E evidentemente, quando chegou não respeitava a guitarra de verdade, como deveria. E acabou frustrado.

E o violão?

Bom, por uma falsa ideia de correlação, de quem imagina indevidamente que por terem ligação cronológica e histórica, por conservarem a mesma afinação: “aprender violão ajuda a tocar guitarra”, ou “quem toca violão toca guitarra”, em paralelo o violão, quem o estudasse colheria frutos como guitarrista. Outro engano.

Fica aqui ressaltado guitarra e violão são instrumentos totalmente diferentes.

Nas escolas ambos dividiam o interesse do público – guitarra e violão. Embora com tendência a guitarra, o violão era como um falso introdutor.

Quantas vezes ouvi dos pais: Começar pelo violão, é melhor né?

A seguir na televisão, parte do mercado fonográfico, pipocaram programas de auditório. E quem era a protagonista desses programas?

A voz!

Logo, as escolas de música receberam mais alunos interessados em técnica vocal.

Claro, a voz estava nas bandas desde sempre, e até foram protagonistas dos anos 1980 e 1990, mas havia o momento da guitarra. Aquilo como um solo, ou como uma brilhante introdução. Agora não, é só voz.

Hoje, os fonogramas quase não possuem introdução. Não são democráticos com os demais instrumentos. Diretamente ao ponto, e o ponto está na voz. Não se pode perder tempo com lararás, ou riffs. E tem que ser ao vivo! Que loucura! Isso tudo influi em uma escola de música?

Sim! Diretamente.

Em uma escola de música lidamos com o desejo! E o desejo é perpetuado através das atrações desse mercado fonográfico.

O mesmo mercado que protagonizou na década de 1990 o cavaquinho nos axés, sambas e pagodes. Ou o acordeom nos anos 1940, depois do lançamento do fenomenal Luiz Gonzaga. Agora planeja o que?

Não sabemos de fato.

Evidentemente alguns instrumentos são exceção, e não transitam pelos anseios fonográficos. Haja vista o piano que segue sua estada livremente, seu desejo está relacionado com uma tradição familiar. Uma consciência de que estudar música é bom. De que a coordenação motora é bem-vinda e pode ser consolidada na prática de um instrumento. O piano quase nunca resvala no mercado, e se resvala, está por exemplo na trilha de um filme como O fabuloso destino de Amélie Poulain.

Tudo muito bonito!

A escola de música precisa ler o mercado fonográfico?

A escola de música mesmo que queira, não influi na escolha do instrumento ideal. Seja por fator fisiológico e simbólico. Ainda mais se considerarmos que o Brasil não possui em sua grade do ensino regular – fundamental e médio, a música como matéria obrigatória. Absurdo, diga-se de passagem.

O mercado fonográfico move tanto o desejo que pouco importa se o instrumento não atende sua fisiologia. Mesmo que erroneamente, ao instrumento, somos frutos de um desejo imposto por produtores muitíssimo distantes de nós.

Cabe-nos aprimorar os cursos na medida em que essas variações ocorrem. E quando ocorrerem prontos devemos estar para atendê-las.

Uma comunicação indireta que vale a atenção!

E o que mais dizer sobre a questão envolta ao gênero? Bom, assunto para uma próxima publicação.

#VemProSouzaLima

Publicado em 2018, ampliado e revisado 23 de junho de 2022.