19 nov Ainda vale discutir música erudita e popular?
Ainda vale discutir música erudita e popular?
Isso é torcida. Algo irrelevante ao meu ver.
De fato resisti duzentas publicações antes de entrar nessa questão de erudito e popular; questão que mais do que polêmica está bastante desgastada. Erudito ou popular são de fato estereótipos que valeriam a pena para um tratado desses que ninguém lê e para uma conversa de bar que depois ninguém se lembra.
Vale destacar que em primeiro lugar estamos falando de linguagem.
O erudito é aquele que se comunica pela forma escrita, se em sua criação, replicação ou leitura; enquanto o popular é aquele cuja comunicação oral é primordial em sua aprendizagem e apresentação – me interessa definir as distinções dessa maneira.
O mesmo enlace erudito versus popular está para um romancista, para a um cordelista, e que se dá para música por outros intermédios.
Por exemplo, um músico mediano que conservo pena por seus argumentos e preconceito, me disse em certa oportunidade como maneira de me ofender que eu não passava de um músico popular. Como se me ofendesse estar presente produzindo uma obra significativa tanto para o arranjo e canção, quanto para a composição e interpretação. Sou afinal erudito ou popular?
Imbecilidade preocupar-me com isso. Discutir com quem não tem obra?
Desde a invenção da partitura no início do século X, até sua consolidação plena no Romantismo com o acréscimo das expressividades, a música erudita se comunica pela partitura – um objeto que transita a mil anos e que hoje também é um arquivo digital.
A música popular, que teve diversas nomenclaturas pagã ou folclórica, desses mil anos transitou oralmente. Ou se despertou interesse de alguém, dotado do conhecimento escrito, recebeu partitura. O que foi escrito não confere a 1% do que foi criado como música popular no mundo. Ocorre que no final do século XIX a música popular finalmente ganhou um excelente aliado: o Mercado Fonográfico.
O mercado fonográfico transformou a música popular. Tornando-a produto.
E como produto, confere recursos, e se a música erudita esteve lado a lado com o clero, quando era chamada de música sacra, com os nobres quando irrompeu a erudita, e a seguir com a chamada burguesia; a música popular nunca havia recebido atenção tão clamorosa, e que lhe rendesse tamanha atenção.
Quando esse produto fonográfico tornou-se o maior centro financeiro da música, atraiu interesses daqueles conhecidos eruditos, que começaram a atuar nesse mercado, que também agregou a rádio e a televisão como filões comerciais.
A música popular, aquela transmitida oralmente agora tinha mecanismo próprio, e era o centro. Validou-se nos centros urbanos, e seguiu.
E o que mais?
Há ainda aquela música de tradição totalmente oral que hoje chamamos de folclore. Mas voltando a essa questão, alguns desses compositores eruditos migraram para a música popular tornando-se arranjadores, por exemplo, ou produtores, ou diretores musicais. E para culminar encontraram-se na árdua tarefa do compositor.
Tom Jobim é um erudito? Sim, que atua diretamente com o que é considerado música popular.
Ainda vale discutir música erudita ou popular?
Dentro do que proponho como educação musical nas minhas classes, essa discussão está mais do que ultrapassada. E é típica de personagens frustrados que se propõem se sobressair por um engodo patético.
Conheci em um curso na Europa um maestro internacional, de reconhecida carreira, que ao final dos concertos ia tomar whisky barato e tocar jazz em casas noturnas do gênero. Sua frase mote arrebata o revanchismo: “Há valor em todas as músicas, basta ter ouvidos atentos. Todos os grandes compositores em algum momento transitaram em suas obras o trapiche invisível que os frustrados construíram, sem ligar para ele”.
Mas se você é jornalista e vai produzir uma crítica, se especialize, faça essa gentileza. Talvez seja o único ponto de observação que faça sentido ser especialista, para o músico não faz, fique em paz.
Claro, essa é a primeira parte de uma reflexão. Espero ter aguçado sua curiosidade. Nos vemos no próximo artigo.