A morte precoce de uma artista

A morte precoce de uma artista

A morte precoce de uma artista

Nunca esperamos a morte, mesmo dos acamados, desvalidos e mais velhos. Não pensamos na morte e vivemos como se não fôssemos morrer.

Marília Mendonça, uma cantautora impressionante, faleceu semana passada, dia 05 de novembro – em um trágico acidente aéreo.

Quando eu era criança lembro do impacto da morte precoce de Kurt Cobain, de Renato Russo, e principalmente dos Mamonas Assassinas – marco em qualquer adolescente ou criança dos anos 1990.

Lá pelos vinte e poucos anos, a morte de Amy Winehouse – outra artista insubstituível também me marcou. E tantos outros artistas que deixam os palcos da vida de maneira tão precoce. Tão repentina.

Leciono música erudita, música brasileira, jazz ocasionalmente. E nunca considerei ou considero o que faço melhor que qualquer artista da indústria fonográfica. Sejamos coerentes – não existe música melhor ou pior.

Indústria

A indústria fonográfica gosta de tapar buraco, e esquece de seus ídolos de maneira quase automática, se virando para uma nova tendência, um novo estilo ou gênero, um outro artista. Trata-se de uma roda ininterrupta, que precisamos ingressar com ela andando, e ciente de que não podemos deixá-la, embora nos tirem dela se chegamos a idade indesejada.

A indústria tem idade. Quem mais consome música no mundo são os mais jovens, e sempre foi assim, daí a necessidade de manter a roda girando.

Enlutados estão os fãs e nós, colegas. A indústria se aproveita.

Marília Mendonça me surpreendeu desde a primeira vez que eu ouvi. Uma voz muito marcante. Potente, com uma rouquidão linda que me lembrou Louis Armstrong.

Pude conhecer sua voz em um estúdio, e entender que logo logo ela estaria entre as cantoras mais aclamadas – ela não tinha dezessete anos e já compunha com desenvoltura em seu gênero e ritmos favoritos.

Marília Mendonça – Eu Sei De Cor #MariliaMendoncaEuSeiDeCor (Agora é que são elas) – YouTube

A trupe do jazz pira, mas que ritmo é esse, senão um encantador bolero? Como fez nos anos 1950 e 1960 Anísio Silva?

Sertanejo é o que gente? É música do nosso país! Eu ouvi nelas nesses anos muita brasilidade, o que me orgulha ainda mais de ser apreciador de tudo que Marília construiu.

Nem sei o que dizer, triste demais.

Sexta-feira, dia 5 de novembro, esse produtor musical e músico que escreve, ficou em choque. Foi inevitável pensar na minha carreira, das minhas decisões, de quando decidi deixar a vida de nômade como músico acompanhante – o que era um sonho para mim.

Decidi passar mais tempo na minha cidade, compondo, produzindo em meu próprio estúdio, e lecionando, formando outros músicos. E o sonho ficou. De vez em quando ele cutuca, e em um momento triste desses, o sonho desaparece.

Marília deixa um legado enorme, mas o pior, deixa seu filho, um bebê apenas. Isso é muito triste. Quem tem um filho nessa idade chorou em dobro, o medo bate amigo, e bate fundo. Tudo passa na cabeça, é mais forte que o controle do pensamento.

E tudo que passa na cabeça sim, passa reconhecendo que o Brasil perdeu uma voz expressiva, mas também estamos nesse contexto como músicos.

O que era Marília?

Marília além de tudo era uma voz forte e que cantava o Brasil do seu ponto de vista – um ponto de vista de que o Brasil precisava em sua indústria, sem dúvidas, mas muito mais para a sociedade.

Somos humanos, e podemos morrer a qualquer instante. E foi assim, um misto de sentimentos o que vivemos sexta. Sou músico, e a voz cessou.

Marília cantou a força das mulheres, a luta, e assim espero que seus versos ecoem e alimentem outros artistas. A indústria pode procurar, mas igual a Marília acho bem complicado encontrar em dez gerações.

Lamento profundamente a partida precoce de qualquer artista, mas ainda mais de uma artista como Marília Mendonça.

#VemProSouzaLima